PRÊMIO DE PRODUTIVIDADE – INADMISSIBILIDADE DE EXTENSÃO AOS INATIVOS – LIMITES DO ARTIGO 40, § 8º DA CR – LEI ESTADUAL Nº 14.694/03 – PRESSUPOSTOS – VANTAGEM PROPTER LABOREM – ARTIGO 167, IV DA CR – DECRETO ESTADUAL Nº 43.674/03 – RESOLUÇÕES Nº 5.644/04 E 5.673/04 – OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RESERVA LEGAL, DA IMPESSOALIDADE E DA ISONOMIA – INSTRUMENTO DA REFORMA ADMINISTRATIVA DO ESTADO – JURIDICIDADE.
PRÊMIO DE PRODUTIVIDADE – INADMISSIBILIDADE DE EXTENSÃO AOS INATIVOS – LIMITES DO ARTIGO 40, § 8º DA CR – LEI ESTADUAL Nº 14.694/03 – PRESSUPOSTOS – VANTAGEM PROPTER LABOREM – ARTIGO 167, IV DA CR – DECRETO ESTADUAL Nº 43.674/03 – RESOLUÇÕES Nº 5.644/04 E 5.673/04 – OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RESERVA LEGAL, DA IMPESSOALIDADE E DA ISONOMIA – INSTRUMENTO DA REFORMA ADMINISTRATIVA DO ESTADO – JURIDICIDADE.
O Excelentíssimo Senhor Governador do Estado exarou no Parecer n.º 14.529, do Advogado-Geral do Estado, o seguinte despacho:
“Aprovo. Em 3/8/2005”.
Excelentíssimo Senhor Governador do Estado,
Adoto para os fins do art. 7º da Lei complementar nº 75, de 13 de janeiro de 2004, o anexo PARECER n.º 14.529/AGE, de 8 de julho de 2005, da lavra da Procuradora do Estado Raquel Melo Urbano de Carvalho e submeto-o à elevada consideração de Vossa Excelência para os efeitos do inc. I, do art. 7º da referida Lei Complementar.
Belo Horizonte, 3 de agosto de 2005.
JOSÉ BONIFÁCIO BORGES DE ANDRADA
Advogado-Geral do Estado
Procedência: Gabinete do Advogado-Geral do Estado
Interessado: Procuradoria Administrativa da Advocacia-Geral do Estado
Número: 14.529
Data: 8 de julho de 2005
Ementa:
PRÊMIO DE PRODUTIVIDADE – INADMISSIBILIDADE DE EXTENSÃO AOS INATIVOS – LIMITES DO ARTIGO 40, § 8º DA CR – LEI ESTADUAL Nº 14.694/03 – PRESSUPOSTOS – VANTAGEM PROPTER LABOREM – ARTIGO 167, IV DA CR – DECRETO ESTADUAL Nº 43.674/03 – RESOLUÇÕES Nº 5.644/04 E 5.673/04 – OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RESERVA LEGAL, DA IMPESSOALIDADE E DA ISONOMIA – INSTRUMENTO DA REFORMA ADMINISTRATIVA DO ESTADO – JURIDICIDADE.
Relatório
O Advogado Geral do Estado requer seja examinada a legislação e normatização pertinente ao prêmio de produtividade, tendo em vista as ações ajuizadas por servidores inativos em face do Estado de Minas Gerais, pretendendo lhes seja deferido o pagamento da referida parcela.
Realizados levantamentos técnicos e jurídicos junto à Secretaria da Fazenda e à Secretaria de Planejamento e Gestão, vislumbra-se adequada a padronização da defesa cabível na espécie, conforme jurisprudência dos Tribunais Superiores e doutrina hodierna, elementos com base em que passo a opinar.
Parecer
1. Da inadmissibilidade da extensão do prêmio de produtividade aos servidores inativos, conforme jurisprudência do STF e do STJ.
Em primeiro plano, cumpre afastar a assertiva de que o prêmio de produtividade consubstancia uma vantagem remuneratória paga genericamente aos servidores públicos estaduais, pelo que seria necessária a sua extensão automática aos inativos, em cumprimento ao artigo 40, § 8º da Constituição Federal. O equívoco de tal posicionamento resulta dos limites da “regra da paridade” fixados pelos Tribunais Superiores na interpretação do art. 40, § 8º da CR/88, bem como da natureza jurídica do prêmio instituído no âmbito estadual.
No tocante à norma do artigo 40, § 8º da Constituição da República, certo é que dela decorre o direito do inativo receber vantagem concedida aos servidores da ativa apenas se ficar comprovado o caráter geral do acréscimo. É inadmissível pretender incorporar nos proventos vantagem de caráter pessoal ou de serviço, cujo pagamento foi previsto apenas para os servidores em atividade que preencham condições específicas dispostas em lei.
Não há dúvida de que o Supremo Tribunal Federal é o intérprete maior do texto constitucional e da sentimentalidade social que lhe serve de amparo, como bem assevera o Ministro Carlos Ayres Britto. Atentando para tal premissa e buscando no entendimento da Corte Máxima o norte hermenêutico sobre a matéria em comento, observa-se que o Pleno do STF já pacificou o entendimento de que o artigo 40, § 8º da CF consiste em norma apta a estender aos inativos somente vantagens de natureza geral, jamais aquelas cujo pagamento depende de pressupostos estabelecidos em lei, cujo cumprimento é empiricamente impossível aos servidores já aposentados:
“Gratificação: Não-Extensão aos Inativos: O Tribunal, por maioria, negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão proferida pela Ministra Ellen Gracie, relatora, que julgara extinto mandado de segurança – por ausência de direito líquido e certo – em que se pretendia a extensão aos servidores inativos da gratificação de desempenho da carreira de especialista do Tribunal de Contas da União, instituída pela Lei 10.356/01 e objeto da Resolução 146/2001. Considerou-se que a referida gratificação prevê percentuais e critérios de avaliação cuja aplicação é inviável aos aposentados, por depender de condições especiais não passíveis de serem aplicadas aos inativos.” (Ag. Reg. no MS 24.204-DF, rel. Min. Ellen Gracie, Pleno do STF, julgado em 12.02.2003, Informativo 298 do STF)
“Auxílio-Moradia: Não-Extensão aos Inativos: O Tribunal indeferiu mandado de segurança impetrado por deputado federal aposentado contra ato do Presidente da Câmara dos Deputados em que se pretendia a incorporação, aos seus proventos, do auxílio-moradia pago aos parlamentares. Considerou-se que o § 8º do art. 40 da CF é norma que visa estender aos inativos os benefícios ou vantagens de natureza geral, mas não aqueles que dependam de condição inscrita em lei, invocando, ainda, o disposto na Súmula 339 (“Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia.”). Precedentes citados: ADI 778-DF (DJU de 19.12.94); RE 191.018-DF (DJU de 19.12.2002).” (MS 24.180-DF, Min. Ellen Gracie, Pleno do STF, julgado em 20.02.2003, Informativo 299 do STF)
Seguindo a mesma linha de raciocínio, o STF negou extensão aos servidores inativos da gratificação instituída pela Lei Complementar nº 744/93 do Estado de São Paulo, afirmando a inocorrência de ofensa ao artigo 40, § 4º da CF, uma vez evidenciada a não generalidade da vantagem instituída no âmbito local:
“Concluído o julgamento de agravo regimental em recurso extraordinário interposto contra decisão do Min. Sepúlveda Pertence, relator, que, mantendo acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, afastara o direito de servidores inativos do mesmo Estado à extensão da gratificação de função instituída pela LC estadual 670/91 aos diretores de escola no exercício da função, bem como daquela instituída pela LC estadual 744/93 aos supervisores de ensino em atividade – v. Informativo 332. A Turma, por maioria, rejeitando a alegada ofensa ao § 4º do artigo 40 da CF (na redação anterior à EC 20/98), negou provimento ao agravo regimental, uma vez que as referidas vantagens não possuem caráter geral, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto que davam provimento ao agravo.” (AgR no RE nº 219.850-SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1a Turma do STF, Informativo 334 do STF).
Especificamente quando se trata de prêmio de produtividade, reiterada é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de ser inadmissível fazer incidir a regra da paridade em favor dos inativos, tratando-se de parcela não permanente e sujeita à verificação da efetividade do exercício:
“Rateio anual da reserva constituída pelo excesso de quotas de prêmio de produtividade (Lei Complementar nº 567, de 20-7-88, do Estado de São Paulo).
Parcela de remuneração não permanente e sujeita à verificação de efetividade de exercício (lei citada, art. 7º) e insusceptível, portanto, de participação dos aposentados, a título de aplicação do disposto no § 4º do art. 40 da Constituição Federal.” (RE nº 170.020-3, rel. Min. Octavio Gallotti, 1ª Turma do STF, julgado em 05.05.1998).
“A Turma deu provimento a recurso extraordinário para reformar acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia que reconhecera aos oficiais da reserva remunerada da Polícia Militar o direito ao recebimento de gratificação de comando e chefia, instituída pela Lei 6.403/92, do mesmo Estado, ao fundamento de tratar-se de vantagem genérica e haverem os recorridos exercido chefia quando em atividade. A Turma entendeu tratar-se de vantagem restrita ao servidor que se encontra no exercício de tal atividade, não se incorporando aos proventos da inatividade e nem se estendendo aos proventos dos já inativados.” (RE nº 325.032-BA, rel. Min. Ilmar Galvão, 1ª Turma do STF, julgado em 12.11.2002, Informativo 290 do STF).
Corroborando a jurisprudência do STF, indicam-se, à exaustão, recentes posicionamentos do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. GRATIFICAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO EM RESULTADOS – GRP. LEI ESTADUAL Nº 13.547/99. DECRETO Nº 5.443/01. VANTAGEM PRO LABORE FACIENDO. INEXISTÊNCIA DE LINEARIDADE E GENERALIDADE. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
I – O Superior Tribunal de Justiça, secundando orientação do Pretório Excelso, consolidou entendimento acerca da impossibilidade de extensão de vantagens de natureza propter laborem, devidas aos servidores em razão de trabalho a ser realizado. Precedentes.
II – A Gratificação de Participação em Resultados – GRP, instituída pela Lei Estadual nº 13.547/99, tem natureza propter laborem, sendo devida somente aos servidores que estiverem em efetivo exercício e que cumprirem metas previamente definidas. Neste contexto, a gratificação em comento não incide durante o período de licença maternidade, mormente quando tal hipótese é expressamente vedada pelo decreto regulamentador do referido diploma legal estadual.” (Ag. Reg. no RMS nº 16.414-GO, rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma do STJ, DJU de 06.09.2004, p. 273).
“ADMINISTRATIVO. POLICIAL MILITAR. DECRETO Nº 21.743/95. GRATIFICAÇÃO DE ENCARGOS ESPECIAIS. PREMIAÇÃO POR MÉRITO/BRAVURA. ATO DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO ANALISAR O MÉRITO ADMINISTRATIVO. REVOGAÇÃO DA LEGISLAÇÃO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSO DESPROVIDO.
I – A gratificação de encargos especiais, instituída pelo Decreto nº 21.743/95, consistia em uma premiação, de caráter individual, por mérito do policial, após o regular reconhecimento e declaração oficial realizados em procedimentos administrativos. Ou seja, a referida premiação não foi instituída indistintamente, somente fazendo jus ao seu percebimento aqueles servidores que tivessem reconhecido ato de bravura pelo Chefe do Poder Executivo do Estado.
II – A concessão da gratificação estava adstrita à discricionariedade do administrador, estando o ato administrativo submetido exclusivamente à conveniência e oportunidade da autoridade pública, tendo em vista que a valoração dos atos de bravura não ocorria por meio de elementos meramente objetivos.
III – É defeso ao Poder Judiciário adentrar ao mérito administrativo de ato discricionário, a fim de aferir sua motivação, somente sendo permitida a análise de eventual transgressão do diploma legal.
IV – O Decreto nº 21.743/95 foi expressamente revogado pelo Decreto nº 26.249/2000, não mais subsistindo a gratificação de encargos especiais, não havendo qualquer dispositivo legal que autorize a sua concessão.
V – Recurso desprovido” (RMS 18.151-RJ, rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma do STJ, DJU de 09.02.05, p. 206)
Resulta claro de tais julgados que é incabível estender aos aposentados vantagens devidas aos servidores em razão de trabalho realizado na atividade. Afinal, o Judiciário admite, de modo expresso, o deferimento somente aos servidores ativos de vantagem remuneratória cujos pressupostos impliquem inclusive avaliação discricionária da Administração Pública, conforme critérios de conveniência na gestão estatal.
A adequação de tais considerações à hipótese em exame é manifesta, na medida em que se verifica a natureza propter laborem do prêmio de produtividade regulamentado nas Leis Estaduais nº 14.694, de 30.07.03 e nº 15.275, de 30.07.2004, o que impede sua extensão aos servidores inativos, consoante se demonstrará a seguir.
2. Das regras constitucionais e da normatização do prêmio de produtividade
A instituição do prêmio de produtividade tem fundamento na própria Constituição da República e na Constituição do Estado de Minas Gerais. A Lei Magna Federal prevê no § 9º do artigo 37, inserido pela Emenda à Constituição nº 19/98, a possibilidade de criação de prêmio de produtividade como mecanismo de modernização e racionalização do serviço público, “in verbis”:
“Art. 39 (…)
§ 7º Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios disciplinará a aplicação de recursos orçamentários provenientes da economia com despesas correntes em cada órgão, autarquia e fundação, para aplicação no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público, inclusive sob a forma de adicional ou prêmio de produtividade.”
A Constituição Mineira, por sua vez, veicula, no § 4º do artigo 30 (acrescentado pela EC nº 49/01) e no artigo 31 (redação dada pela EC nº 57/03), regras no mesmo sentido, prevendo, ainda, a publicação de lei própria para tratar do cálculo e periodicidade do prêmio:
“Art. 30 (…)
§ 4º – Os recursos orçamentários provenientes da economia na execução de despesas correntes em cada órgão, autarquia e fundação serão aplicados no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, de treinamento e desenvolvimento, de modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público ou no pagamento de adicional ou prêmio de produtividade, nos termos da lei.
(…)
Art. 31 – O Estado assegurará ao servidor público civil da Administração Pública direta, autarquia e fundacional os direitos previstos no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, da Constituição da República e os que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social e da produtividade e da eficiência no serviço público, em especial o prêmio por produtividade e o adicional de desempenho.
§ 1º – A lei disporá sobre o cálculo e a periodicidade do prêmio por produtividade a que se refere o ‘caput’ deste artigo, o qual não se incorporará, em nenhuma hipótese, aos proventos de aposentadoria e pensões a que o servidor fizer jus e cuja concessão dependerá de previsão orçamentária e disponibilidade financeira do Estado.”
Dos transcritos dispositivos constitucionais resulta clara a obrigatoriedade da aplicação de recursos orçamentários provenientes da economia na execução de despesas em medidas concretas como programas de qualidade, pagamento de prêmio de produtividade ou programas de treinamento a serem realizados na Administração Pública. Tal obrigatoriedade resulta do artigo 30, § 4º da CEMG que utiliza o imperativo “serão aplicados” ao enumerar as hipóteses de ação administrativa. Especificamente no Estado de Minas Gerais, há determinação a que lei disponha sobre o prêmio de produtividade, vedada, de modo expresso, a incorporação aos proventos de aposentadoria ou pensões (artigo 31, § 1º da CEMG).
Nesse contexto, o que fez o Estado de Minas Gerais ao publicar a Lei nº 14.694, de 13.07.03, alterada pela Lei 15.275, de 30.07.04, foi cumprir uma diretriz constitucional vinculante da política pública relativa ao seu quadro de pessoal. O mencionado diploma, disciplina, dentre outras questões, a aplicação de recursos provenientes da economia com despesas correntes e a ampliação real da arrecadação de receitas no pagamento do prêmio de produtividade. Enumera, outrossim, as fontes de recurso para pagamento do prêmio, bem como traça os parâmetros para o seu cálculo, inclusive periodicidade. Delineia o contexto normativo do qual decorrem os pressupostos a serem atendidos para o deferimento da vantagem criada.
Condiciona o pagamento do prêmio de produtividade ao fato de o órgão, a cujo quadro pertença o cargo público exercido pelo servidor, ter firmado acordo de resultados, definido no art. 2º, I da Lei nº 14.694/03 como “aquele celebrado entre dirigentes de órgãos e entidades do Poder Executivo e as autoridades que sobre eles tenham poder hierárquico ou de supervisão”. Nos termos do parágrafo único do referido dispositivo:
“Art. 2º. (…)
Parágrafo único – O acordo de resultados de que trata o inciso I do caput será formalizado mediante instrumento que especifique as metas de desempenho, os prazos de cumprimento e os padrões de controle preestabelecidos e terá por contrapartida o enquadramento do órgão ou da entidade em normas especiais, mais flexíveis, estabelecidas em leis ou atos infra-legais, aplicáveis unicamente aos órgãos e às entidades que mantenham fiel cumprimento do Acordo.”
Referido acordo de resultados previsto na Lei Estadual nº 14.694/03, além de não incorrer nos vícios imputados aos contratos de gestão previstos em diplomas federais, consubstancia, ao contrário, mecanismo de exercício do poder hierárquico em que o Estado busca a adesão dos subordinados aos objetivos institucionais norteadores da política pública. Tais objetivos encontram-se explicitados no acordo de resultados em metas estabelecidas para o órgão ou entidade administrativa. Observe-se que a comprovação do alcance das metas pactuadas é condição sine qua non para que se possa apurar o prêmio de produtividade a ser pago na espécie.
Confira-se o artigo 33 da Lei nº 14.694/03:
“Art. 33 – O pagamento de prêmio de produtividade aos servidores só poderá ocorrer em órgão ou entidade com Acordo de Resultados em vigor e com instrumento de avaliação permanente do desempenho dos seus servidores.”
Sendo assim, o primeiro pressuposto para pagamento do prêmio é a existência de um acordo de resultado no bojo do qual estejam fixadas as metas a serem alcançadas pelo órgão ou entidade administrativa. Outrossim, é indispensável que estas sejam alcançadas pela unidade administrativa.
Dentre as metas institucionais, pode-se destacar a economia de despesas correntes, bem como o aumento de arrecadação. Frise-se, contudo, que as metas não se restringem a tais aspectos financeiros, mas estes consistem apenas em parte dos objetivos buscados com o acordo de resultados. O Decreto nº 43.674/2003 estabelece no artigo 2º, § 1º a regra segundo a qual “o desempenho do órgão, entidade ou unidade administrativa será aferido em função das metas, da cobertura e da qualidade dos serviços prestados e das atividades realizadas no exercício, com a utilização dos indicadores definidos no Acordo de Resultados”.
O acordo de resultados firmado entre a Subsecretaria da Receita Estadual e a SEF, com interveniência da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (doc. anexo), v. g., enumera, no seu Anexo III, a realização de obras como construção e reforma de postos de fiscalização, 250.000 horas anuais de capacitação e treinamento de servidores, aquisição de bens como veículos e equipamentos de informática, dentre outros. Na verdade, é possível identificar uma meta institucional a ser atendida pela Secretaria da Fazenda como pressuposto ao pagamento. Além disso, cada uma das nove superintendências regionais tem uma meta pactuada como elemento necessário para se cumprir a meta global.
O atingimento dos objetivos do acordo depende do esforço conjugado da instituição (órgão ou entidade administrativa) e dos respectivos servidores públicos. E somente com tal atingimento é que se mostra possível aferir a viabilidade econômica de se proceder ao pagamento do prêmio. Por fim, cada servidor terá o seu desempenho aferido para a consecução das metas, mediante avaliação específica, tratando-se de requisito pessoal e indispensável na espécie.
Com efeito, a Lei Estadual nº 14.694/03, com a redação dada pela Lei Estadual nº 15.275/04, prevê a avaliação de desempenho no seu artigo 26, III, e estabelece que os seus resultados “poderão ser considerados para efeito de progressão e promoção funcional dos servidores, bem como para concessão de prêmios de produtividade e adicionais de desempenho” (§ 2º do artigo 26 da Lei nº 14.694/03). Nos termos do artigo 33 do citado diploma, tem-se clara a exigência de que o órgão ou entidade administrativa possua instrumento de avaliação de desempenho individual permanente dos seus servidores. O Decreto nº 43.674/03, com alterações posteriores, expressamente prevê que o prêmio de produtividade é pago proporcionalmente aos dias efetivamente trabalhados pelo servidor:
“Art. 8º (…)
§ 5º – O valor do prêmio por produtividade a ser pago a cada servidor será proporcional aos dias de efetivo exercício das atribuições do cargo ou função.
§ 6º – Para fins do disposto no § 5º não são considerados como efetivo exercício os afastamentos, as licenças, as férias ou qualquer interrupção o exercício das atribuições do cargo ou função.”
O prêmio é pago proporcionalmente ao esforço do servidor aferido em avaliação de desempenho, segundo o período de efetivo trabalho, tomando-se por base o cargo em que o mesmo é provido, o montante a ser distribuído conforme a parcela de economia e/ou ampliação. Destarte, tem-se manifesta sua natureza variável, de modo que dificilmente um servidor receberá montante idêntico relativo ao prêmio em suas parcelas periódicas (trimestrais, p. ex.).
A própria natureza do prêmio caracteriza uma compensação pelo esforço despendido pela unidade administrativa a que pertence o servidor no cumprimento das metas institucionais que lhe foram fixadas previamente. Assim, somente os servidores que efetivamente trabalharam, unindo seus esforços no objetivo comum da realização das metas pactuadas, fazem jus ao acréscimo. Por conseqüência, é mister sejam excluídos do cálculo do montante do prêmio períodos de exercício fictício como férias prêmio ou regulamentares, bem como inadmitido o seu pagamento àqueles que já se afastaram das atividades públicas, porquanto aposentados.
Observe-se que o § 2º do artigo 33 da Lei Estadual nº 14.694/03 determina:
“§ 2º. O prêmio de produtividade só poderá ser percebido por servidor ocupante de cargo de provimento efetivo e por detentor de função, pública, mesmo quando no exercício de cargo de provimento em comissão ou função gratificada, que obtiver o nível mínimo de desempenho previsto em regulamento, bem como por servidor ocupante, exclusivamente de cargo de provimento em comissão.”
O nível mínimo de desempenho exigido do servidor ocupante de cargo de provimento efetivo e o detentor de função pública será igual ou maior a setenta por cento da pontuação máxima da avaliação de desempenho individual ou da avaliação especial de desempenho, conforme regra expressa do artigo 8º, § 3º do Decreto nº 43.674/03. Reitere-se que o valor do prêmio a ser recebido variará conforme o resultado obtido nas avaliações.
Da estrutura consagrada nas normas constitucionais, legais, regulamentares e normativas infere-se ser insuficiente, em determinadas hipóteses, que um órgão de uma entidade administrativa, com o esforço de todos os seus servidores, tenha êxito em cumprir a meta para ele estipulada no acordo de resultados, se a entidade, como um todo, não atingir a meta global como, p.ex., a superação da arrecadação. Nesse caso, nenhum servidor da entidade administrativa fará jus ao prêmio. Outrossim, se o órgão da entidade não atingir a sua meta, mesmo se cumprida a meta global da entidade, o órgão sofrerá um decréscimo relativamente ao valor do prêmio a ser pago. Esclareça-se que o servidor em efetivo exercício apenas receberá a vantagem se obtiver, no mínimo, setenta por cento dos pontos apurados em avaliação de desempenho individual ou avaliação especial de desempenho.
O valor do prêmio por produtividade a ser pago a cada servidor será proporcional aos dias de efetivo exercício das atribuições do cargo ou função, conforme definido na legislação específica. Ademais, o prêmio será proporcional à remuneração do cargo ou função exercida pelo servidor, devendo-se excluir adicionais por tempo de serviço, parcelas decorrentes de decisões judiciais e vantagens pessoais de qualquer natureza.
Decorre do artigo 5º e do Anexo da Resolução Conjunta nº 5.644, de 13.08.04, que no cálculo do prêmio de produtividade (PP) repercute o montante de recursos disponíveis para pagamento do prêmio por produtividade decorrente da ampliação real da arrecadação de receitas (MDRA). Também integra o prêmio a denominada parcela proporcional individual (PPI) que é calculada com base no valor da remuneração do cargo ou função exercida pelo servidor (RP), na pontuação obtida na avaliação de desempenho individual ou na avaliação especial de desempenho (ADI), no número de dias efetivamente trabalhados (n) dividido pelo número total de dias do período de apuração do montante da ampliação real da arrecadação de receitas (NT). O somatório do valor do PPI de cada servidor perfaz o E PPI, relativo ao órgão ou entidade. A fórmula ficou assim estabelecida:
PP = MDRA x PPI
E PPI
PP: prêmio de produtividade
MDRA: montante de recursos disponíveis para pagamento do prêmio por produtividade.
PPI: parcela individual calculada nos seguintes termos:
PPI = RP x D x ADI x n
NT
RP: valor da remuneração do cargo ou função exercida pelo servidor
ADI: pontuação obtida na avaliação de desempenho individual ou na avaliação especial de desempenho
n: número de dias efetivamente trabalhados
NT: número total de dias do período de apuração do montante da ampliação real da arrecadação de receitas.
E PPI: somatório do valor do PPI de cada servidor. (doc. anexo)
Nenhuma dúvida pode remanescer quanto ao fato de os pressupostos cujo cumprimento se exige repercutirem também no momento em que se calcula o valor devido. É o caso do montante disponível para o seu pagamento (decorrente da economia de despesas ou ampliação de receitas), da pontuação na avaliação de desempenho do servidor e dos dias efetivamente trabalhados.
Especificamente sobre os recursos necessários ao pagamento do prêmio, reza a Lei nº 14.694/03:
“Art. 29. Os recursos orçamentários provenientes da economia com despesas correntes em cada órgão, autarquia ou fundação da Administração Pública estadual poderão ser aplicados na forma prevista nesta Lei, no pagamento de prêmio de produtividade e no desenvolvimento institucional, que compreende programas de:
I – qualidade e produtividade;
II – treinamento e desenvolvimento de pessoal;
III – modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público.
(…)
Art. 30. Os recursos economizados serão apurados a cada exercício, com base na diferença contabilizada em valores reais, entre o disponível para empenho e o orçamento efetivamente executado pelo órgão ou entidade, conforme disposto no Acordo de Resultados.
§ 1º Adicionalmente ao disposto no caput deste artigo, o desempenho do órgão, entidade ou unidade administrativa será aferido em função das metas, da cobertura e da qualidade dos serviços prestados e das atividades realizadas no exercício, com a utilização dos indicadores definidos no Acordo de Resultados.
(…)
Art. 32. Durante a vigência do Acordo de Resultados, os recursos de que trata o art. 29 desta Lei poderão ser destinados ao pagamento de prêmio por produtividade aos servidores em exercício no órgão, entidade ou unidade administrativa com Acordo de Resultados em vigor, até o limite equivalente a um terço do montante apurado. (…)
Art. 32-A. Os recursos orçamentários provenientes da ampliação real da arrecadação de receitas da administração Pública estadual poderão ser aplicados no pagamento de prêmio por produtividade.”
Insta frisar que a vedação de incorporação do prêmio nos proventos ou pensão (artigo 31, § 1º da CEMG) foi reiterada, de modo expresso, no art. 32, § 3º da Lei 14.694/03. O artigo 33, § 3º prescreve, de modo expresso que “o montante disponível para o pagamento de prêmio por produtividade corresponde à soma dos recursos provenientes das economias com despesas correntes e da ampliação da arrecadação de receitas, observado o disposto na Lei”.
Resulta do mencionado contexto normativo que o prêmio por produtividade constitui um bônus a ser pago em função do desempenho institucional e do desempenho individual do servidor. O propósito da sua criação não foi o de compensar o servidor pelas atividades desenvolvidas, mas principalmente o de estabelecer um instrumento gerencial que, sob controle de administradores comprometidos com a qualidade da atividade pública, seja capaz de produzir benefícios no órgão ou na entidade administrativa que o utilizar.
Nesse sentido, o prêmio consiste no mecanismo que podem assumir os programas de qualidade, produtividade, treinamento, desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público. Trata-se de instrumento de racionalização e aperfeiçoamento estatal, contexto em que se afigura absurdo reduzi-lo a uma mera fonte ou rubrica de pagamento de servidores. O seu esteio finalístico é a otimização da estrutura gerencial do serviço público, sendo o eventual benefício dos agentes que a integram aspecto indireto e secundário das medidas em questão.
Os recursos para o pagamento da vantagem advêm de duas fontes fixadas nos artigos 29 e 32 da Lei nº 14.694/03, quais sejam, a economia com despesas correntes e a ampliação real da arrecadação de receitas. Nesse contexto, denota-se que o prêmio de produtividade apresenta como característica o fato de ser auto-sustentável, pois somente após apurado o cumprimento das metas, é que se mostra lícito, com base na economia de despesas correntes e/ou aumento de arrecadação, apurar o montante a ser distribuído entre os servidores que realmente contribuíram para o atendimento de tais metas, na proporção do seu desempenho e dos dias efetivamente trabalhados.
A parcela do prêmio cujos recursos sejam provenientes da economia com despesas correntes denomina-se parcela por economia – PE (artigo 7º do Decreto Estadual nº 43.674/2003 com a redação dada pelo art. 1º do Decreto Estadual nº 43.851, de 10.08.2004), enquanto a parcela cujos recursos sejam provenientes da ampliação real da arrecadação de receitas denomina-se parcela por ampliação – PA (artigo 7º-A do Decreto Estadual nº 43.674/2003 acrescentado pelo art. 2º do Decreto Estadual nº 43.851, de 10.08.2004). De acordo com as características do órgão ou da entidade signatária do acordo de resultados, bem como dos parâmetros adotados em cada caso, o prêmio poderá ser composto por apenas uma das parcelas descritas ou ser resultado da soma de ambas parcelas.
Observe-se que o fracionamento do prêmio de produtividade entre as parcelas que o integram – parcela por ampliação (PA) e parcela por economia (PE) – viabilizou sua adequada operacionalização. A apuração da economia com despesas correntes será realizada ao final de cada exercício e o pagamento da parcela do prêmio dela originada far-se-á em até duas vezes. Quanto à ampliação real da arrecadação de receitas, sua apuração poderá ser trimestral, quadrimestral, semestral ou anual, na forma de resolução conjunta, e a parcela por ampliação será paga após cada intervalo apuratório.
A sua distribuição, nos termos do artigo 7º-B do Decreto nº 43.674/2003, acrescentado pelo Decreto nº 43.851, de 10.08.2004, dar-se-á “na forma definida em resolução conjunta entre o dirigente do órgão ou entidade e o Secretário de Estado de Planejamento e Gestão”. Para a hipótese de ampliação de receitas, o artigo 32-A, § 6º, acrescentado à Lei nº 14.694/03 pela Lei Estadual nº 15.275/04, determina que os recursos “serão distribuídos entre os servidores, na forma do regulamento”, respeitado o pressuposto de distribuição entre órgãos ou entidades administrativas que tenham contribuído em conjunto para a ampliação da arrecadação de receitas. Em se tratando de recursos economizados, artigo 32, § 1º fixa alguns critérios preliminares na própria Lei Estadual nº 14.694/03:
“§ 1º Os recursos destinados pelo órgão ou entidade ao pagamento de prêmio de produtividade a que se refere este artigo, a ser pago em duas parcelas ou em parcela única, serão distribuídos entre os servidores da seguinte forma:
I – 50% (cinqüenta por cento), proporcionalmente ao valor do vencimento de cada servidor, com base na pontuação obtida em avaliação individual de desempenho;
II – 50% (cinqüenta por cento), no mesmo valor para todos os servidores no âmbito de cada órgão ou entidade.”
A Lei nº 14.694/03 prevê tratamento diferenciado para as economias decorrentes de ações de órgãos centrais de planejamento, gestão e finanças ou de auditoria e correição. Nos termos do artigo 3º do Decreto nº 43.674/03, tais economias poderão ser aplicadas no pagamento de prêmio por produtividade e desenvolvimento institucional até o limite de quatro por cento, na forma estabelecida em resolução conjunta com a SEPLAG ou nos respectivos acordos de resultados.
Conclui-se, de todo o exposto, que o prêmio de produtividade somente poderá ser pago em órgão ou entidade administrativa em que haja instrumento de avaliação de desempenho individual permanente dos seus servidores e acordo de resultados em vigor, no qual tenha se dado a economia com despesas correntes ou ampliação real da arrecadação das receitas. Não se olvide da necessidade do resultado satisfatório na avaliação institucional do desempenho da unidade administrativa, conforme disciplina da Lei nº 14.694/03 e do respectivo acordo de resultados, bem como da avaliação de desempenho do servidor superior a setenta por cento da pontuação máxima.
3. Da natureza “propter laborem” do prêmio de produtividade
O Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que se a vantagem tem natureza “propter laborem”, somente pode ser devida no caso de efetivo exercício, situação da qual se excluem os servidores aposentados, no gozo de férias prêmio ou de férias regulamentares, bem como usufruindo de outros afastamentos legais. A propósito, confiram-se o seguintes julgados:
“Administrativo. Servidor Público. Gratificação por serviços extraordinários. Natureza pro labore faciendo e propter laborem. Pagamento durante licença-prêmio. Inexigibilidade. Recurso não provido.
1. As gratificações de natureza pro labore faciendo e propter laborem são atreladas à consecução de atividades específicas, como as de periculosidade, de insalubridade, de participação nos resultados e por horas-extras; estas gratificações por sua natureza, somente são pagas pela Administração àqueles servidores que efetivamente trabalharem sob as condições especiais que ensejaram a sua criação.” (RMS 14.210-PB, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, 6ª Turma do STJ, DJU de 09.05.2005, p. 475)
“A gratificação de estímulo à produção individual – GEPI – possui caráter propter laborem, ou seja, somente é percebida pelo servidor quando em exercício das atribuições pertinentes ao cargo ou em hipótese elencada pela lei”. (ROMS nº 11.462-MG, rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma do STJ, JSTJ, v. 18, p. 366).
Referido entendimento aplica-se à hipótese em comento, uma vez que, para fazer jus ao prêmio de produtividade, o servidor provido em cargo público ou no exercício de função pública deve evidenciar que em suas atividades corroborou para o atingimento dos objetivos institucionais e logrou alcançar as metas individuais incidentes na espécie, em razão do acordo de resultados e das determinações hierárquicas administrativas.
Vantagem como o prêmio regulado pela Lei nº 14.694/03 é considerada pela doutrina como retribuição pecuniária “propter laborem” que, segundo lição de Hely Lopes Meirelles, “só deve ser percebida enquanto o servidor está prestando o serviço que a enseja”, notadamente o exercício do magistério. “Cessado o trabalho que lhe dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que a justificam, extingue-se a razão de seu pagamento” (Direito Administrativo Brasileiro, 18ª edição, Malheiros, 1993, p. 411).
Sua natureza jurídica é típica das vantagens transitórias ou precárias, cujo pagamento depende do contínuo atendimento, ausente previsão legal específica de incorporação. A propósito, Hely Lopes ensina:
“As gratificações – de serviço ou pessoais – não são liberalidades puras da Administração; são vantagens pecuniárias concedidas por recíproco interesse do serviço e do servidor, mas sempre vantagens transitórias, que não se incorporam automaticamente ao vencimento nem geram direito subjetivo à continuidade de sua percepção. Na feliz expressão de Mendes de Almeida ‘são partes contingentes, isto é, partes que jamais se incorporam aos proventos, porque pagas episodicamente ou em razão de circunstâncias momentâneas’. (…)
Em última análise, a gratificação não é vantagem inerente ao cargo ou à função, sendo concedida em face das condições excepcionais do serviço ou do servidor'” (“Direito Administrativo Brasileiro”, 17ª edição, São Paulo, Malheiros, p. 410).
O prêmio de produtividade é concedido em razão de cumulativas condições singulares, a saber, a celebração do acordo de resultados; o atingimento, pela unidade administrativa, das metas fixadas no acordo; a ampliação de receitas ou economia de despesas de que se extraem os recursos necessários ao pagamento da vantagem; o efetivo desempenho das atribuições inerentes ao cargo efetivo ou função pública; a avaliação funcional de desempenho do servidor em cujo cálculo repercutem todos os aspectos mencionados “in retro”.
Encontra-se, portanto, entre as gratificações denominadas transitórias, isto é, aquelas que são devidas enquanto o servidor estiver no exercício de determinada atividade considerada pela legislação aplicável à espécie, satisfeitos os demais pressupostos. É uma das hipóteses das vantagens denominadas modais ou condicionais. Essas vantagens, mesmo que auferidas por longo tempo, não se incorporam à remuneração.
Nessa mesma linha de raciocínio, Walter Brasil Mujalli, após definir as gratificações como vantagens pecuniárias atribuídas aos servidores precariamente, afirma que as mesmas são “sempre transitórias e não se incorporam ao vencimento e nem geram direito a continuidade de sua percepção” (“Administração Pública: Servidor Público, Serviço Público”, Campinas, Bookseller, 1997, p. 135).
O benefício “sub examine” foi criado como instrumento de corroborar um novo modelo de gestão administrativa, sendo manifesto o caráter de incentivo ao atingimento de metas fixadas para órgãos e entidades administrativas. Destarte, não se justifica o pagamento da vantagem se o servidor não está abrangido pela legislação pertinente ou na hipótese de se afastar da situação que motivou a instituição da vantagem.
Insta observar que gratificações dessa natureza somente podem ser criadas e regulamentadas por leis específicas, cabendo ao Executivo especificar e pormenorizar, por decreto, as condições do seu pagamento, ao exercer o poder regulamentar privativo da Administração Pública. Não cabe ao servidor, nem mesmo ao Judiciário, estender as hipóteses em que será devido o pagamento da vantagem especial, mesmo porque o incentivo pecuniário por produtividade não consubstancia conceito técnico nem jurídico, mas integra o mérito administrativo, ou seja, insere-se na avaliação de oportunidade e conveniência administrativas a ser realizada unicamente pelo Poder Público.
Nesse mesmo diapasão, Hely Lopes Meirelles esclarece que não se permite ao Judiciário pronunciar-se sobre o mérito administrativo, ou seja, sobre a conveniência e oportunidade da ação administrativa, porque, se assim agisse, estaria emitindo pronunciamento de administração, e não de jurisdição.
Leciona o saudoso professor que “o mérito administrativo, relacionando-se com conveniências do governo ou com elementos técnicos, refoge ao âmbito do Poder Judiciário, cuja função é a de aferir a conformação do ato com a lei escrita, ou, na sua falta, com os princípios gerais do Direito” (“Direito Administrativo Brasileiro”. São Paulo: Malheiros, 19ª ed., p. 607-608).
O Superior Tribunal de Justiça, nessa mesma trilha, determinou que “o mérito do ato administrativo, entendido como Juízo de oportunidade e conveniência, é próprio do administrador, vedado ao Judiciário substituí-lo” (ROMS nº 129-PR, 2ª T. do STJ, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU de 02.04.90, p. 2.453).
Com fulcro em tais ensinamentos, conclui-se que não é lícito ao magistrado adentrar na análise do valor intrínseco do julgamento administrativo, alterando a apreciação dos critérios que, diante de comprovada situação fática, levou a uma irrepreensível opção administrativa devidamente positivada.
A competência do Estado para organizar seu funcionalismo e criar vantagens em face de situações concretas peculiares é consectário da autonomia administrativa de que dispõe, consoante já se ressaltou “in retro”. Assim, a extensão do direito à percepção do prêmio de produtividade previsto na Lei Estadual nº 14.694/03 a situações não previstas no referido diploma não pode ser levada a efeito pelo Poder Judiciário, sob pena de ofensa ao princípio da independência e harmonia dos poderes previsto no art. 2º da Constituição da República.
O já citado Hely Lopes Meirelles assevera:
“Essas gratificações só devem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias pro labore faciendo e propter labore. Cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as justificam, extingue-se a razão de seu pagamento. Daí por que não se incorporam automaticamente ao vencimento, nem são auferidas na disponibilidade e na aposentadoria, salvo quando a lei expressamente o determina, por liberalidade do legislador” (op. cit., p. 411).
Em se considerando a estrita vinculação da Administração Pública ao princípio da legalidade, o que lhe impede de agir na falta de expressa e específica autorização legal, conclui-se que ao Estado foi vedado o pagamento do prêmio de produtividade se não atendido qualquer dos requisitos previstos no ordenamento de regência.
4. Da constitucionalidade da destinação dos recursos para pagamento do prêmio de produtividade e da inadmissibilidade de estendê-los aos inativos
Segundo a clássica teoria do Direito Tributário, os impostos teriam, em princípio, a característica da não-vinculação, tratando-se de prestações pecuniárias independentes de qualquer relação de troca ou utilidade, porquanto não vinculados a uma atuação estatal . Ademais, prescreve-se, ainda, a regra segundo a qual é proibida a vinculação da receita ou da majoração dos impostos à determinada finalidade específica .
No entanto, além da possibilidade de afetação de taxas e contribuições de melhoria, em razão da natureza das mesmas, são previstas exceções no próprio texto constitucional relativamente aos impostos, consoante resulta claro do artigo 167, IV da CR, com a redação lhe atribuída pela Emenda Constitucional nº 42/2003:
“Art. 167. São vedados:
(…)
IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo”.
Destarte, a própria Constituição da República admite a vinculação da receita de impostos a órgão, fundo ou despesa para realização de atividades da administração tributária. Tem-se aqui hipótese excepcional que faculta aos entes políticos vincularem parcela de sua receita orçamentária na hipótese de incremento da arrecadação tributária. Lícito destinar-se o acréscimo especificamente àqueles que corroboraram para a majoração, assim como manifestamente admissível idêntica destinação vinculada no caso de economia de despesas. A circunstância de se tratar de benefícios financeiros decorrentes de atividades desenvolvidas por servidores no exercício dos seus cargos e funções impede que se pretenda estender a vinculação aos inativos, consoante entendimento doutrinário uníssono.
O ilustre Procurador Geral da República Claudio Fonteles ajuizou no Supremo Tribunal Federal a ADI nº 3.516 em que argüiu a inconstitucionalidade da lei do estado do Ceará que, ao instituir o prêmio por desempenho aos servidores do Grupo Ocupacional Tributação e Arrecadação e Fiscalização, estendeu o prêmio aos aposentados e pensionistas, conforme regra do artigo 1º parágrafo 1º da Lei Cearense nº 13.439/04.
Segundo o Ministério Público da União, se a lei estadual que institui prêmio aos servidores vincula parcela relativa ao incremento da receita tributária ao seu pagamento, inadmissível a extensão aos inativos, em razão da regra do artigo 167, IV da Constituição da República:
“Ocorre que a lei em questão vinculou parcela do incremento da receita tributária estadual (leia-se, neste caso, como receita tributária aquela proveniente de impostos) ao pagamento do PDF.
A Constituição da República, no seu art. 167, inciso IV, dentre as ressalvas que admitem a vinculação da receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, contempla a hipótese de vinculação para realização de atividades da administração tributária.
(…) Devem ser entendidas como atividades da administração tributária, sob o aspecto dos servidores, as realizadas exclusivamente por aqueles que estejam na ativa, não se podendo incluir no permissivo constitucional a vinculação da receita de impostos destinada ao pagamento do PDF aos aposentados e os pensionistas, visto que esses não exercem quaisquer das aludidas atividades. Daí a inconstitucionalidade. Aliás, no que atina aos aposentados, a própria noção de servidores inativos está a confrontar-se com o termo ‘atividades’ previsto na Lei Maior.
A vinculação se dá por determinação do art. 2º e sobretudo do art. 3º da lei cearense, os quais dispõem sobre o cálculo do valor do PDF com base em percentual do incremento da receita tributária estadual. Tais dispositivos repercutem no art. 1º, caput e § 1º, cuja declaração de inconstitucionalidade ora se postula.
Além desse vício, capaz de extirpar os textos verberados da ordem jurídica, constata-se, também, a seguinte incongruência na lei cearense: a parte final do seu art. 1º estabelece que o escopo da concessão do Prêmio por Desempenho Fiscal é o de estimular os aumentos de produtividade da Secretaria da Fazenda que impliquem no incremento da arrecadação tributária anual e de outros indicadores de desempenho. Os aposentados e os pensionistas, dada a condição de não servidores, certamente não podem efetivar o referido desiderato legal. (doc. anexo)”
Com efeito, se o objetivo perseguido quando da instituição de um prêmio de produtividade é incentivar o aperfeiçoamento da administração, inclusive no tocante ao aumento das receitas tributárias e redução dos gastos orçamentários, é inadmissível estender o pagamento da vantagem aos aposentados que, por se encontrarem na inatividade, estão naturalmente impedidos de corroborarem no atingimento das metas fixadas. A eventual afetação do incremento de receitas ou redução de despesas ao pagamento do prêmio aos inativos importaria em inconstitucionalidade capaz de comprometer a legitimidade do instituto, vício em que não incorreu a Lei Mineira nº 14.694/03.
5. Da observância ao princípio da legalidade e da ausência de ofensa ao princípio da reserva legal
Resulta do artigo 37, X da CR/88, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/98, que a fixação e alteração das parcelas integrantes da remuneração devem ser feitas por lei específica, observando-se a iniciativa das leis entre o Chefe do Executivo (art. 61, § 1º, II, a da CF), Tribunais (art. 96, II, b da CF), Ministério Público (art. 127, § 2º da CF) e Tribunal de Contas (art. 73 c/c art. 96 da CF).
A Lei Estadual nº 14.694/03, que instituiu especificamente o prêmio de produtividade, observou a iniciativa privativa do Governador do Estado decorrente do art. 61, § 1º, II, a da Constituição da República. Não criou uma vantagem remuneratória fixa, uma vez que o prêmio de produtividade tem como característica o fato de ser:
a) eventual, uma vez que não compõe a remuneração mensal do servidor, podendo ou não ser pago caso sejam atendidos, ou não, os requisitos para seu recebimento;
b) condicionado, pois depende de serem satisfeitas as condições estipuladas para que assim ocorra seu pagamento;
c) precário, dado que não restam garantias de que perdure e se perpetue no tempo;
d) compensatório e premial, posto que consiste um plus pago em razão do esforço despendido pelo servidor;
e) isolado, visto que não se incorpora aos vencimentos, subsídios ou proventos para qualquer fim.
Em razão da natureza explicitada “in retro” e que nenhuma inconstitucionalidade apresenta diante das regras do art. 39, § 7º da CF e dos artigos 30, § 4º e 31 da CEMG, cabia ao diploma mineiro estabelecer os pressupostos que, atendidos, autorizariam o pagamento do prêmio em comento. Desse mister desincumbiu-se a Lei nº 14.694/03 ao fixar, no artigo 32 (redação dada pela Lei nº 15.275/04), a possibilidade de o Estado, durante a vigência do acordo de resultados, destinar ao pagamento do prêmio ao servidor em exercício até o limite equivalente a um terço do montante apurado, ao que se acrescem as exigências do artigo 33 da Lei nº 14.694/03.
O diploma legal determinou, de modo claro e expresso, os requisitos mínimos necessários para o pagamento do prêmio, encontrando-se nas normas administrativas subsequentes – Decreto nº 43.674/03, Resolução Conjunta nº 5644, de 13.08.04, Resolução Conjunta nº 5.673, de 29.10.04 e Acordos de Resultados – meras prescrições materiais complementares da lei, aptas a, do ponto de vista técnico e político, explicitarem os requisitos legais, observados estritamente os limites da discricionariedade remanescente da legislação antecedente.
Nenhuma inconstitucionalidade se vislumbra se, diante da previsão legal do prêmio, as autoridades administrativas competentes exerceram o poder normativo que lhes cabia: o Governador do Estado o poder regulamentar no Decreto nº 43.674/03; os Secretários da Fazenda e de Planejamento e Gestão o poder regulatório nas Resoluções nºs 5644/04 e 5.673/04; os demais agentes públicos o poder regulatório nos respectivos Acordos de Resultados.
Mister distinguir, para adequada compreensão da matéria, o poder regulamentar do poder regulatório, ambos espécie do gênero poder normativo da Administração Pública. Com efeito, a prerrogativa conferida à Administração Pública de editar atos gerais para completar as leis e permitir sua efetiva aplicação denomina-se poder normativo. Neste, destaca-se o poder regulamentar como a atribuição privativa do Chefe do Executivo para expedir regulamentos, os quais, em regra, devem ser compatíveis com a lei e visar somente desenvolvê-la. Considerando, no entanto, que o poder regulamentar não esgota a competência normativa da Administração, além do decreto regulamentar, de competência privativa do Chefe do Executivo, tem-se o exercício do poder normativo por outras autoridades administrativas que o expressarão por meio de resoluções, portarias, deliberações, instruções, dentre outros.
O poder regulamentar do Chefe do Executivo é adequado quando se mostra cabível o exercício da discricionariedade política, fato que, no caso em comento, impôs a edição do Decreto nº 43.674/03, o qual foi objeto de alterações posteriores. Referidos diplomas, nos limites da liberdade remanescente da Lei nº 14.694/03, assentaram, no exercício da competência política imposta ao Governador, aspectos a serem observados na materialização do projeto de reforma do Estado. Estabeleceram critérios a serem observados quando da operacionalização do cálculo do prêmio, aspectos relevantes para o governo, consoante se denota do documento anexo.
Sempre que na lei não estiverem predeterminados, de modo exaustivo, todos os pressupostos de um único comportamento admitido para a Administração, é cabível o exercício do poder normativo, mormente se se considerar sua potencial função interpretativa.
No tocante especificamente ao poder regulamentar, antes da Emenda Constitucional nº 32 predominava o entendimento de que deveria ser subjacente à lei, não podendo alterar suas prescrições, criar ou extinguir direitos que dela decorressem, nem mesmo majorar ou suprimir sanções nela previstas. Contudo, a EC 32/01 deu nova redação ao artigo 84 da CR/88, determinando ser competência do Chefe do Executivo Federal: “VI – dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos”. A nova redação passou admitir, assim, os decretos autônomos no tocante à organização e funcionamento da Administração Pública federal, entendimento consagrado pelo Pleno do STF ao julgar a ADI nº 2.564-DF, relatada pela Ministra Ellen Gracie (DJU de 06.02.2004, p. 21).
Observando-se tal orientação e o princípio da simetria na federação brasileira, verifica-se que o Decreto nº 43.674/03 poderia até mesmo ter fixado regras inovadoras do ordenamento. Isso porque em nenhum momento o citado Decreto implicou aumento de despesa, mas, ao contrário, regulamentou projeto em que se estabelece sua redução como meta, organizando o funcionamento da administração pública estadual. Certo é, contudo, que tal faculdade não foi sequer exercida pelo Governador, porquanto o Decreto nº 43.674/03 restringiu-se a, nos limites da discricionariedade política que lhe é inerente, pormenorizar os ditames da Lei nº 14.694/03.
Em relação ao poder normativo das demais autoridades administrativas, denominado doutrinariamente poder regulatório, observa-se que idêntico respeito à inovação reservada à lei foi observado pelas Resoluções Conjuntas nº 5644, de 13.08.04 e nº 5.673, de 29.10.04, bem como pelos Acordos de Resultados posteriormente firmados.
Trata-se do fenômeno que a doutrina denominou “deslegalização”, pelo qual a competência para regular certas matérias se transfere da lei para outras fontes normativas por autorização do próprio legislador. Sempre que a delegação não for integral, por reservar o legislador para si a competência relativa ao regramento básico, calcado nos critérios políticos e administrativos, nenhuma ilicitude se vislumbra na transferência somente da competência para a regulamentação técnica mediante parâmetros previamente enunciados na lei. É o que no Direito americano se denomina delegação com parâmetros.
Não se usurpa da lei a função de inovar no mundo jurídico, porquanto, salvo a hipótese do artigo 84, VI da CR/88, somente a lei pode instituir direitos e obrigações. Somente reconhece-se a impossibilidade de ignorar a generalidade que lhe é característica, sendo absurda a pretensão da exaustiva regulamentação legal diante de uma complexa realidade social. Com efeito, a celeridade das transformações sociais e da Administração Pública impede a sincronicidade com a produção, no Parlamento, das regras necessárias à regulação das mutáveis realidades. Nesse contexto, o poder normativo da Administração surge como uma via de legitimação da regulamentação capaz de atender à multiplicidade inerente à sociedade contemporânea.
Uma forma do operador do Direito Administrativo aproximá-lo dos inúmeros e novos contextos empíricos consiste exatamente em valer-se da discricionariedade política presente no poder regulamentar e da discricionariedade técnica inerente ao poder regulatório, cujas raízes como valores ético-políticos aproximam, em cada incidência, o seu conteúdo da sociedade e da estrutura estatal a que pertinem, bem como viabilizam a transformação necessária à concretização do Estado Democrático de Direito.
Não há como ignorar a necessidade de descentralização normativa, principalmente de natureza técnica, quando se trata de explicitar materialmente a operacionalização dos critérios necessários ao pagamento do prêmio de produtividade. No caso em exame, a regulamentação política restou exercida no Decreto nº 43.674/03 e a regulamentação técnica na Resolução Conjunta nº 5644, de 13.08.04, Resolução Conjunta nº 5.673, de 29.10.04 e nos Acordos de Resultados firmados pelos órgãos e entidades administrativas estaduais.
Nenhum equívoco existe quando o legislador determina, de modo soberano, a competência do poder regulamentar ou regulatório, deixando certas matérias as quais implicam exercício de discricionariedade política e administrativa sob responsabilidade normativa dos agentes públicos. Isso não apenas em face da tremenda complexidade e da aceleração dinâmica dos fenômenos políticos, administrativos e sociais de nossos dias, mas tendo em vista o próprio entendimento relativo à densidade jurídica cabível em relação a cada uma das normas: regras legais, normas regulamentadoras, normas regulatórias.
O doutrinador Alexandre Santos de Aragão, ao tratar da regulação, invoca as lições de Diogo de Figueiredo Moreira Neto e de García de Enterría:
“A deslegalização consiste nas palavras de DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, na ‘retirada, pelo próprio legislador, de certas matérias, do domínio da lei (domaine de la loi) passando-se ao domínio do regulamento (domaine de l’ordonnance)’.
O Mestre EDUARDO GARCÍA DE ENTERRÍA conceitua a deslegalização ou delegificação como ‘a operação efetuada por uma lei que, sem entrar na regulação material do tema, até então regulado por uma lei anterior, abre tal tema à disponibilidade do poder regulamentar da Administração. (…)
Por este entendimento, com o qual concordamos, não há qualquer inconstitucionalidade na deslegalização, que não consistiria propriamente em uma transferência de poderes legislativos, mas apenas na adoção, pelo próprio legislador, de uma política legislativa pela qual transfere a outra sede normativa a regulação de determinada matéria. E, com efeito, se este tem poder para revogar uma lei anterior, por que não o teria para, simplesmente, rebaixar o seu grau hierárquico?”( Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico. 2ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 2.003, p. 419-420; 422-423).
Certo é que o Chefe do Executivo não incorreu no equívoco de confundir o exercício do poder regulamentar que lhe era obrigatório com usurpar a atividade legislativa privativa do Parlamento ao editar o Decreto nº 43.674/03, o mesmo ocorrendo em relação aos demais atos administrativos normativos. A Lei nº 14.694/03 enquadra-se na categoria das lois-cadre ou standartizadas, próprias das matérias de particular complexidade técnica e suscetíveis a constantes mudanças administrativas, econômicas e orçamentárias.
Tal posição é referendada pelos Tribunais, lembrando Alexandre Santos Aragão que o STF “em diversas ocasiões já fixou a legitimidade da atribuição de poder normativo através de standards e finalidades genéricas estabelecidas em lei” (RE 77.899-PE e Ação Rescisória 1.204-DF), sendo que
“Em recente decisão liminar (ADI nº 1.668/DF, Relator MINISTRO MARCO AURÉLIO), o STF considerou constitucional a habilitação normativa efetuada pelos incisos IV e X do art. 19 da Lei Geral de Telecomunicações – LGT em favor da ANATEL, desde que esta subordine-se aos preceitos legais e regulamentares pertinentes” .
O citado autor invoca, ainda a decisão do STJ no MS 4.578-DF, relatado pelo Ministro Humberto Gomes de Barros reconhecendo que “controlar a execução de determinada norma é fazer com ela se desenvolva em busca dos fins sociais para a qual a regra foi concebida” . Conclui, com base em tais prescrições, que a deslegalização estaria implícita no amplo poder normativo (esteado em standards gerais) conferido pelas leis para exercício de competências administrativas regulatórias de determinado setor da economia, principalmente em seus aspectos técnicos, observada a política fixada pela Lei e pela Administração Central. Vale-se da posição do Ministro Ilmar Galvão do STF que, ao julgar o RE 140.669-PE, asseverou que os princípios da legalidade, do congelamento do grau hierárquico e da precedência da lei não impedem, salvo em matérias reservadas à lei (tributos e crimes), que se adote uma
“maior flexibilidade através da deslegalização ou degradação do grau hierárquico. Neste caso, uma lei, sem entrar na regulamentação da matéria, rebaixa formalmente o seu grau normativo, permitindo que essa matéria possa vir a ser modificada por regulamentos” .
No caso em comento em nenhum momento o Chefe do Executivo Estadual ou qualquer autoridade hierarquicamente subordinada ao mesmo pretendeu inovar primariamente na ordem jurídica, mas simplesmente limitou-se a regulamentar matéria já prevista na lei instituidora do prêmio de produtividade. Com efeito, as regras da Lei nº 12.694/03 consubstanciaram standards cujos parâmetros foram estritamente observados nas normas administrativas subseqüentes. E a constitucionalidade da lei atributiva resulta do fato de o legislador haver estabelecido standards suficientes.
Referida estrutura justifica-se, em primeiro lugar, em razão da impossibilidade de enumerar em lei os objetivos circunstanciais e técnicos a serem perseguidos pelos órgãos e entidades administrativas estaduais. A lei não consiste no veículo próprio para estipular que, durante um dado exercício financeiro, p. ex., o Estado deverá adquirir 50 veículos, 1000 novos equipamentos de informática ou promover 1.000 horas de treinamento de servidores. Também não consubstanciam matéria a ser tratada em lei o peso atribuído à ampliação de arrecadação, os percentuais de cumprimento das metas fixadas e a forma de operacionalização do fechamento dos dados necessários ao cálculo do prêmio, por se tratar de questões estritamente técnicas, inseridas na discricionariedade reservada aos agentes públicos.
Nesse contexto, a gestão eficaz das metas a serem perseguidas por cada unidade administrativa, a operacionalização técnica dos elementos integrantes do prêmio de produtividade e os aspectos políticos de conveniência e oportunidade administrativas deveriam ser consagrados em normas administrativas regulamentadoras e regulatórias, exatamente como se denota dos Decreto nº 43.674/03, Resolução Conjunta nº 5644/04, Resolução Conjunta nº 5.673/04 e nos Acordos de Resultados ora em exame.
Reitere-se que o conteúdo mínimo da lei serviu de embasamento e limite para os atos normativos da Administração, não havendo substituição da atividade legislativa pela regulatória, em estrita observância do Estado Democrático de Direito. Não se identifica qualquer subjetividade no regramento do prêmio de produtividade, tendo sido a regulamentação levada a efeito de modo impessoal, genérico, objetivo e não discriminatório. É preciso atentar para o fato de que não se trata de vencimento ou de vantagem pecuniária decorrente do exercício do cargo ou função, mas de uma parcela eventual cuja regulação inseriu-se no contexto de economia pública, aperfeiçoamento estrutural e ampliação de receitas, ausente qualquer ofensa ao artigo 37, X da Constituição da República.
Nesse contexto, em observância à Súmula 339 do STF, não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa ou normativa, aumentar vencimentos de servidores públicos, afastando as normas de regência, o que implicaria invasão de competência e grave violação ao princípio constitucional da separação dos poderes consagrado no artigo 2º da Constituição da República.
6. Da observância do princípio da impessoalidade e da isonomia
O princípio da impessoalidade impõe que a atuação do Estado ocorra a salvo de preferências espúrias, divorciadas dos objetivos públicos que devem inspirar a ação administrativa. Afinal, os poderes estatais são meros instrumentos das finalidades públicas, sendo vedada a influência de qualquer vontade particular que não se coadune com o interesse geral, porquanto inadmitida a personalização indevida do poder.
Sendo assim, o princípio da impessoalidade parte da idéia básica de objetividade capaz de excluir quaisquer favores ou perseguições desleais e de promover a independência da atuação pública em relação a todas as particularidades individuais irrelevantes para o exercício da competência administrativa. Ao se exigir um agir impessoal, afastam-se quaisquer discriminações ou privilégios indevidos, seja em favor do beneficiário da atuação administrativa, seja em favor do agente público integrante do quadro de pessoal do Estado.
No caso do prêmio de produtividade, certo é que os critérios enumerados para o seu pagamento afiguram-se objetivos, a saber, a celebração do acordo de resultados; o atingimento das metas pela instituição; a ampliação de receitas ou economia de despesas de que se extraem os recursos necessários ao pagamento da vantagem; o efetivo desempenho das atribuições inerentes ao cargo efetivo ou função pública; a avaliação funcional de desempenho do servidor. Tais critérios não apresentam qualquer subjetividade indevida ou personalismo antagônico capaz de comprometer o instituto. Verifica-se perfeita harmonia entre o interesse público primário – aperfeiçoamento estatal mediante incentivo aos servidores integrantes do esforço nesse sentido – e o objetivo da previsão administrativa – pagamento prêmio de produtividade se satisfeitos os respectivos pressupostos.
Em lugar de uma impessoalidade estética e formal, concretizou-se um princípio do qual decorre o dever do administrador público agir sem considerar aspectos pessoais irrelevantes para o cumprimento do ordenamento de regência. Os aspectos individuais considerados guardam estreita proporcionalidade com o interesse público que inspirou a formatação do instituto. Trata-se da moralização administrativa expressa em conduta positiva de tratamento impessoal, porquanto ausentes quaisquer preferências ofensivas ao Texto Magno.
Especificamente em relação à igualdade, note-se que o referido princípio não proíbe que as demais normas ou os comportamentos administrativos estabeleçam distinções, nem mesmo impõe um nivelamento mecânico de todos os atingidos pela norma. O que se veda são as diferenciações sem justificação fática e jurídica razoável, aquelas fundadas em aspectos pessoais que não atendem qualquer necessidade pública concreta, bem como as que são incompatíveis com o interesse coletivo e com o restante do ordenamento.
Como assevera Cláudio Petrini Belmonte:
“Mister salientar, outrossim, que a igualdade em questão será sempre relativa, nunca absoluta. Isso porque a igualdade pressupõe também necessariamente diferença de objetivos, igualdade é sempre a abstração de uma desigualdade existente, sob um determinado ponto de vista.” (Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 36, n. 144, p. 159)
A relatividade consiste em aspecto inerente à isonomia, motivo por que afirmam os doutrinadores que o princípio em comento autoriza determinadas desigualdades sociais e econômicas sempre que a ausência do tratamento diferenciado resultar em verdadeira iniqüidade. Conforme afirmou Boaventura Souza Santos em Palestra proferida no VII Congresso Brasileiro de Sociologia, citado por Guilherme Wagner Ribeiro: “temos o direito de ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza: temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza.” (apud Revista de Informação Legislativa, a. 37, n. 148, p. 256)
É o professor Guilherme Wagner Ribeiro quem conclui:
“Essa tensão construtiva entre a igualdade e o direito à diferença – ao qual também se atribui uma dimensão principiológica – é uma marca do paradigma do Estado democrático de direito, que supera a perspectiva homogeneizadora do princípio da igualdade no Estado Social.
(…) o reconhecimento de que os esforços pela construção de uma sociedade igualitária deve pautar-se pelo respeito e valorização das diferenças individuais e culturais é marca indelével do Estado Democrático de Direito.” (Revista de Informação Legislativa, a. 37, n. 148, p. 256)
Verifica-se, destarte, que se encontra no próprio princípio da isonomia a possibilidade de tratamento diferenciado, desde que este não se mostre aleatório, arbitrário ou gratuito, mas, ao contrário, encontre-se fundado em justificativa racional e técnica.
Ao enumerar os critérios com base em que se identifica a distinção ofensiva à isonomia, Celso Antônio Bandeira de Mello afasta a possibilidade de o critério diferencial singularizar de modo absoluto um sujeito. Exige que o traço diferencial resida naquele que é discriminado e que haja correlação lógica abstrata entre o fator erigido como critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado. Afirma, por fim, a necessidade de correlação com os valores absorvidos no sistema constitucional e juridicizados (“Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade”. 3ª ed. 9ª tir. São Paulo: Malheiros, 2001).
Aplicando-se tais critérios às distinções fixadas a propósito do prêmio de produtividade, denota-se que as normas legais e administrativas não criaram uma situação única e inigualável. A diversidade de tratamento fundamentou-se em aspectos peculiares do órgão e da entidade administrativa, bem como no próprio trabalho desenvolvido pelo próprio servidor. Não há dúvida da justificativa administrativa racional para o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Afinal, não é gratuito ou aleatório o tratamento diverso das unidades administrativas que cumprirem as metas do acordo de resultados e dos servidores que colaboraram para tal atingimento em relação àqueles que não satisfizeram o esperado em matéria de efetividade administrativa. São de fato distintos aqueles comprometidos com o aperfeiçoamento do Estado daqueles que não se inserem no projeto de reforma da estrutura administrativa. Os interesses constitucionalmente protegidos – princípios da eficiência e da moralidade, a regra do artigo 39, § 7º da CF – embasam a desequiparação consagrada na legislação estadual que reserva o pagamento do prêmio de produtividade aos primeiros, consoante complexa aferição técnico-administrativa.
Sendo assim, tem-se adequada a lição de Álvaro Melo Filho:
“Deflui-se desse labor exegético que o princípio da isonomia não proíbe que a lei estabeleça distinções, até porque a lei não existe para criar igualdade e sim para disciplinar desigualdades. O que se proíbe na lei é o arbítrio, ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, vale dizer, sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objetivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação, ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjetivas. Quer isso dizer que o princípio da isonomia permite ao legislador fazer discriminações que atendam situações desiguais (a ‘desisonomia seletiva’ a que alude Ives Gandra), desde que o critério discriminatório não seja arbitrário, mas esteja fundado em razões valiosas, de ordem econômica e/ou social.” (Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 31, n. 123, p. 122).
Como a Lei nº 14.694/03 e as normas subsequentes desigualaram pessoas de fato diferentes, com base no interesse público consagrado no próprio texto constitucional, nenhuma ofensa à isonomia há em deferir o prêmio de produtividade apenas aos servidores que cumprirem os requisitos da lei, recusando o seu pagamento às situações que não se enquadram aos ditames jurídicos de regência.
7. O prêmio de produtividade inserido na reforma administrativa do Estado
A análise levada a efeito “supra” demonstra que o prêmio previsto na Lei nº 14.694/03 consiste em instrumento essencial à reforma do Estado comprometida com a busca da efetividade administrativa. Referida transformação exige melhoria na qualidade da atividade administrativa, perseguição da economicidade nas condutas públicas, modernização da estrutura estatal, objetivos estes concretizáveis apenas na hipótese de se lograr sucesso na motivação do quadro de pessoal competente para realizar as competências previstas no ordenamento. Não se ignora que toda reforma administrativa depende principalmente da valorização do servidor sobre o qual pesa, cotidianamente, o aperfeiçoamento do Estado. Esta a razão pela qual as inovações hodiernas na política de pessoal, que não encontram equivalentes na legislação estadual precedente, devem ser compreendidas pelo prisma da efetividade, da produtividade e da qualidade cuja realização ora se pretende, com amplo amparo constitucional.
Não se trata somente da eficácia – medida normativa do alcance de resultados, estando relacionada ao sucesso no alcance dos objetivos (pertinente aos aspectos externos da organização), nem somente da eficiência – medida da utilização dos recursos nesse processo (pertinente aos meios e métodos de trabalho empregados internamente pela instituição). Persegue-se a efetividade externa da ação, com o cumprimento dos objetivos estatais paralelo ao controle interno da ação pública. A doutrina administrativa alemã já proclamava que a efetividade deve estar necessariamente integrada na legalidade. O projeto ora execução prioriza a harmonização entre o cumprimento das metas, a observância do ordenamento e serviços de qualidade prestados ao cidadão.
Procura-se garantir uma maior transparência no processo decisório, uma maior proximidade entre as instâncias de planejamento e as realidades sobre as quais se planeja intervir, bem como atingir uma maior eficiência na alocação dos recursos e eficácia na prestação dos serviços. O acordo de resultados consiste no veículo por meio de que as diretrizes da política pública passam a vincular a estrutura administrativa existente. Os resultados financeiros positivos resultantes das medidas implantadas devem ser reinvestidos e/ou distribuídos em parte para o quadro de pessoal encarregado de satisfazer os fins sociais a que se destina o Estado, potencializando a execução dos objetivos institucionais.
O acordo de resultados com o incentivo decorrente do prêmio de produtividade viabiliza a integração entre as políticas governamentais e uma articulação com a distribuição de competências, para suporte das entidades de governo. Referido contexto realiza-se sem fundar-se exclusivamente no clássico poder de império estatal, mas implanta uma rede de parcerias coesa na própria estrutura do Estado, voltada para o compromisso social da sua atuação. Logrou-se evitar que as atuações se fizessem de modo fragmentado, tendo sido desenvolvida uma coordenação política ampla, ao que se acresce a participação dos setores públicos integrados nas políticas a serem realizadas. O prêmio de produtividade inseriu-se em um sistema que busca transparência de resultados, um constante fluxo de informações, para que novas ações de planejamento, regulação e controle não se tornem inócuas.
A legitimidade do prêmio se constrói também pela composição entre as metas institucionais e individuais voltadas para o aperfeiçoamento do Estado. Nesse sentido, a legitimidade surge como um atributo que reside na confluência entre as características de sua formação, das funções assumidas e exercidas, bem como no controle realizado.
Frise-se a preocupação cumulativa com a necessidade de se profissionalizar servidores, instrumentalizada pelo investimento em cursos de atualização, o exercício do poder disciplinar nos estritos termos dos mecanismos previstos de modo amplo, há décadas, na legislação vigente, ao que se acresce o investimento na ampliação do próprio patrimônio público móvel e imóvel.
Repita-se: o prêmio de produtividade insere-se em um processo de reavaliação das políticas públicas, de aperfeiçoamento técnico e organizacional voltado para a melhoria da capacidade de resposta do Estado às necessidades da sociedade, sendo indispensável que a interpretação do arcabouço constitucional e legal vigente oriente-se para a assegurar a preservação das melhorias efetivas obtidas no atendimento das necessidades sociais primárias.
A própria Constituição, no artigo 37, § 8º, estabelece que:
“§ 8º. A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: a) o prazo de duração do contrato; b) os controles e critérios de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidades dos dirigentes; c) a remuneração do pessoal”.
A Lei nº 14.694/03 dispôs sobre o regime no âmbito do Estado de Minas Gerais, viabilizando celebração de acordo de resultados, os quais assumem a natureza jurídica de termos de compromissos assumidos por órgãos integrados na estrutura hierárquica pública. Os órgãos inferiores obtém maior autonomia e se obrigam a cumprir metas, sendo o vínculo com o superior hierárquico embasado na consensualidade, na cooperação, no qual as metas são negociadas e preestabelecidas de comum acordo entre as partes.
Como bem observa Paulo Modesto (Revista de Interesse Público, nº 13, p. 127), não se trata de fonte imediata de direitos ou obrigações inovadoras, nem pode significar um mecanismo de alforria do regime da liberdade. Contudo, pode ensejar, por este mecanismo de deslocamento do campo de incidência de normas, uma “ampliação da autonomia gerencial, orçamentária e financeira” de entidades e órgãos públicos. Dentre as virtudes do referido instrumento, enumera Marçal Justen Filho:
“Em primeiro lugar, o contrato de gestão amplia a transparência administrativa. Exterioriza-se, de modo formal, uma relação de compromissos do Estado. Indicam-se objetivos, metas e estratégias, o que permite conhecimento (e, portanto, controle) por parte da sociedade civil e de outros órgãos.
Depois, a definição formal de objetivos, metas e políticas produz a fixação de uma política setorial. Isso importa o dever de racionalização das atividades estatais. Portanto, surge uma espécie de instrumento norteador da atuação governamental estatal. Há o dever de congruência das decisões posteriores em face daquelas adotadas em período pretérito.
Além de tudo, o contrato de gestão produz uma pauta de controle da atuação concreta dos ocupantes de cargos públicos. Torna-se possível examinar se os objetivos foram atingidos, se os compromissos foram cumpridos, se o desempenho foi satisfatório.” (“Curso de Direito Administrativo”, São Paulo, Saraiva, 2005, p. 475).
Sendo assim, certo é que o acordo de resultados com base em que é pago o prêmio de produtividade apresenta-se como meio de ampliação de transparência administrativa, bem como de definição formal de objetivos e facilitação do controle da Administração, aspectos a serem resguardados na prestação da tutela jurisdicional no presente caso.
8. Da manifesta juridicidade do prêmio de produtividade.
Demonstrado à exaustão o equívoco em se afirmar que o prêmio de produtividade foi instituído para pagamento pelo simples exercício do cargo, em razão de o servidor integrar a carreira pública. Não há sequer a possibilidade do seu pagamento ocorrer em caráter permanente, não eventual e indiscriminado, ausente qualquer linearidade ou generalidade que pudesse justificar sua extensão aos inativos.
Trata-se de parcela eventual sem qualquer vinculação com vantagens anteriores como, v.g., a GEPI instituída pela Lei Estadual nº 6.565/75. Os pressupostos indispensáveis ao deferimento do prêmio de produtividade encontram-se de acordo com as normas constitucionais, não havendo supressão de quaisquer garantias asseguradas pela CR/88, porquanto nenhuma parcela foi extirpada da composição remuneratória do servidor, sendo absurdo falar-se em ofensa a direito adquirido na espécie.
Outrossim, inexiste qualquer subjetividade inconstitucional na apreciação dos fatores exigidos para seu pagamento, nem mesmo em qualquer vício na disciplina da matéria por normas administrativas regulamentares e regulatórias.
“Conclusão
Pelas razões expostas, entende-se pela improcedência dos argumentos invocados pelos servidores inativos, porquanto inadmissível lhes seja estendido o pagamento do prêmio de produtividade, vez que não atendidos os requisitos legais e normativos incidentes na espécie.
É como penso, sub censura.
Belo Horizonte, 27 de junho de 2005.
RAQUEL MELO URBANO DE CARVALHO
Procuradora do Estado
MASP 598.213-7
OAB/MG 63.612
APROVADO. Em 4/7/2005
Mariane Ribeiro Bueno Freire
Consultor-Jurídico Chefe
MASP 363.167-8
OAB/MG 56.566”
OBS.: Este texto não substitui o publicado no Minas Gerais de 10/08/2005
Digite o número referente à função de sua escolha