Título do artigo: A ATUAÇÃO INSTITUCIONAL CONCERTADA EM PROL DO COMBATE À CORRUPÇÃO E DA JUSTIÇA CONSENSUAL, MAIS CÉLERE E EFICAZ: A ATUAÇÃO CONJUNTA DA ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO (AGE/MG) E DA CONTROLADORIA-GERAL DO ESTADO (CGE/MG) NO CONTEXTO DOS ACORDOS DE LENIÊNCIA
Rodrigo Fontenelle de Araújo Miranda
Controlador-Geral do Estado de Minas Gerais (2019-atual). Presidente do Conselho Nacional de Controle Interno (CONACI). Auditor Federal de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União (CGU). Mestre em Contabilidade pela Universidade de Brasília (UNB). Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Sérgio Pessoa de Paula Castro
Advogado-Geral do Estado de Minas Gerais (2019-atual). Procurador do Estado de Minas Gerais. Mestre em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).
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Resumo: Multiplicidade de atores, falta de diálogo institucional e desconformidade de entendimentos são alguns dos fatores que colocam em xeque a atratividade de celebração e a efetividade de um acordo de leniência. Objetivando evitar uma atuação desconcertada, o Poder Executivo mineiro, por meio da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais (AGE/MG) e da Controladoria-Geral do Estado de Minas Gerais (CGE/MG), optou por uma ação sinérgica e colaborativa entre essas instituições em todas as fases do acordo de leniência, desde a negociação até a celebração do acordo. A cooperação interinstitucional é fundamental ao êxito das tratativas, e a experiência prática do acordo de leniência até então firmado, contando também com a participação de membros do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) comprova essa premissa, não apenas pela troca de informações, know-how e experiências entre CGE/MG, AGE/MG e MPMG, mas também porque a presença do MPMG trouxe segurança jurídica ao conglomerado empresarial.
Abstract: A multiplicity of actors, lack of institutional dialogue and non-conformity of understandings are some of the factors that call into question the attractiveness of the conclusion and the effectiveness of a leniency agreement. Aiming to avoid a disconcerted performance, the Minas Gerais Executive Power, through the Attorney General’s Office of the State of Minas Gerais (Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais – AGE/MG) and the Comptroller General of the State of Minas Gerais (Controladoria Geral do Estado de Minas Gerais – CGE/MG), opted for a synergistic and collaborative action between these institutions at all stages of the leniency agreement, from negotiation to the conclusion of the agreement. Inter-institutional cooperation is essential to the success of the negotiations, and the practical experience of the leniency agreement signed until then, also counting on the participation of members of the Public Ministry of Minas Gerais (Ministério Público do Estado de Minas Gerais -MPMG), proves this premise, not only through the exchange of information, know-how and experiences between CGE/MG, AGE/MG and MPMG, but also because the presence of the MPMG brought previsibility to the business conglomerate.
Palavras-chave: acordo de leniência; cooperação; combate à corrupção; Justiça Consensual Keywords: leniency agreement; cooperation; fight against corruption; Consensual Justice.
Em artigo de fôlego veiculado na imprensa em 2021,1 o ministro Gilmar Mendes, do Supremo TribunalFederal (STF), em coautoria com o professor Victor Oliveira Fernandes, traz de forma destacada um dos maiores desafios que a Lei Anticorrupção (LAC)2 desfia, qual seja, a descoordenação institucional entre os múltiplos atores responsáveis por sua aplicação. As sobreposições, redundâncias e fricções advindas desse fenômeno, resultado da falta de concatenação da atuação institucional de cada ator pela legislação federal, acabam por, se não inviabilizar, no mínimo, colocar em profundo descrédito um dos mais importantes ferramentais jurídico-institucional existente de combate à corrupção no Direito brasileiro, o acordo de leniência.3
A multiplicidade de atores que concorrem, isoladamente, para assinatura de um acordo de leniência com a pessoa jurídica investigada, a falta de cooperação e de diálogo institucionais nas suas tratativas e a desconformidade de entendimentos sobre o seu conteúdo e seus efeitos resultam em uma anomalia que coloca em xeque a atratividade de celebração e a efetividade do referido acordo. Dados esses reveses, que poderiam ser considerados naturais haja vista a relativa novidade e a progressiva maturação do instituto jurídico da leniência,4 a experiência prática em solo mineiro demonstrou que a atuação inversa, ou seja,aquela concertada, cooperativa e mutuamente vigilante entre os atores institucionais, representa ganhos efetivos no combate à corrupção.
Nesse sentido, a Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais (AGE/MG) e a Controladoria-Geral do Estado de Minas Gerais (CGE/MG) assinaram, com a interveniência do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), em 18 de agosto de 2021, o primeiro acordo de leniência da história de Minas Gerais, com o conglomerado societário Andrade Gutierrez Engenharia S/A e Andrade Gutierrez Investimento em Engenharia S/A, que permitirá ao estado a recuperação de R$ 128.933.033,66 (cento e vinte e oito milhões, novecentos e trinta e um mil, trinta e três reais e sessenta e seis centavos) aos cofres públicos.5 Além disso, dado o conhecimento de fatos e provas carreadas pelas entidades celebrantes do acordo, requisito obrigatório do acordo para fins de alavancagem investigativa,6 novas investigações se principiaram, as quais poderão resultar nas medidas penalizatórias devidas e na recuperação de ativos que, possivelmente, sequer se cogitariam serem devidos ou viáveis o recobro.
A fim de evitar a atuação desconcertada, o Decreto estadual nº 46.782/2015, que regulamenta a LAC em solo mineiro, em seus artigos 41 a 49-A, e a Resolução Conjunta CGE/AGE nº 04/2019 estabelecem, de forma minudente e mandatória, a participação sinérgica e colaborativa entre a AGE e a CGE em todas as fases do acordo de leniência, com participação de membros de ambos os órgãos (no mínimo dois auditores internos estáveis e um procurador do Estado), desde a negociação até a celebração do acordo – algo que, no ajuste celebrado, consumiu mais de 50 (cinquenta) reuniões entre os envolvidos e dois anos de trabalho.7 Após construído o acordo e elaborado o instrumento jurídico, a Consultoria Jurídica da AGE/MG, como instância diversa, não sugestionada ou condicionada e não participante das tratativas de construção do acordo, examina o ajuste em controle de legalidade, sugerindo ou não por sua aprovação. Uma vez celebrado o acordo, instaura-se um novo ciclo de investigação das descobertas e de responsabilização dos envolvidos.
A cooperação interinstitucional é fundamental ao êxito das tratativas, e a experiência prática do acordo de leniência firmado, contando também com a participação de membros do Parquet, comprova essa premissa. De um lado, porque propiciou a troca de informações, know-how e experiências entre CGE/MG, AGE/MG e MPMG, algo extremamente útil aos seus misteres institucionais e no deslinde da celebração do acordo. De outro, porque a presença do MPMG trouxe segurança jurídica ao conglomerado empresarial, na medida em que inspirou a legítima convicção de que, assegurada a confidencialidade das informações, os ilícitos seriam apurados e sancionados nas esferas administrativa, cível e criminal, com benefícios de previsibilidade penalizatória ao conglomerado e a seus colaboradores. Uma vez que tanto a AGE quanto o MPMG possuem competência para a adoção de medidas judiciais de responsabilização dos envolvidos, a presença na mesma mesa de todos os entes estatais legitimados potencializou a obtenção de resultados mais expressivos para todas as partes, tendo também sido firmado acordo de não persecução cível entre os colaboradores e os membros do Ministério Público. Ademais, haja vista que é requisito do acordo a criação e/ou o aperfeiçoamento do programa de integridade das entidades, será possível ao conglomerado concorrer nos certames licitatórios estaduais, aprimorar seu programa interno de compliance e integridade (anticorrupção), e preservar suas finalidades, além da empresarial, a social, como empresa conforme, contributiva para a geração de empregos e contribuinte na arrecadação tributária do Estado.
Cabe destacar que a celebração de um acordo de leniência encerra um ciclo e inicia outro. Tal como qualquer outro ajuste da mesma espécie que vier a ser celebrado, o acordo celebrado com o conglomerado Andrade Gutierrez será monitorado pela CGE/MG e AGE/MG, de maneira que certifiquem que suas cláusulas, condições, termos e valores sejam honrados. As evidências materiais colhidas pela Comissão, as quais permitem a identificação de outros autores dos ilícitos, municiarão a atuação das instituições, CGE/MG, AGE/MG e MPMG, a adotarem as medidas administrativas, cíveis e criminais voltadas ao sancionamento dessas condutas. Ditas providências estarão a cargo de outros profissionais dos órgãos mencionados, dado que os integrantes da Comissão restringem sua atuação ao contexto das negociações da leniência e ao monitoramento do acordo celebrado, conferindo credibilidade à sua atuação. Este é um diferencial do instituto da leniência, cujo pilar se encontra na confiabilidade que se constrói na mesa de negociação. Os integrantes das Comissões não devem participar dos atos contenciosos que se instaurarão a partir do acordo, seja porque estão atrelados aos liames da confidencialidade, seja porque precisam se preservarpara viabilizar outras negociações.
Por outra vertente, há que se sublinhar que o acordo foi celebrado ao cabo de dois anos de negociações, o que evidencia sua vantagem e eficiência, se confrontado com o tempo moroso e os encargos solenes demandados para a solução judicial dos conflitos, que levariam anos, quiçá décadas a fio, sem uma perspectiva de se obter êxito similar. Nesse sentido, a consensualidade não oferece riscos aos princípios da legalidade, da indisponibilidade do interesse público ou da supremacia do interesse público. As cláusulas e disposições do acordo de leniência, por terem sido amplamente verificadas em seus aspectos técnico-operacionais pela CGE, pela AGE, pelo MPMG e pela própria empresa leniente (colaboradora), que, inclusive, fez-se representar ao longo das tratativas e concordou com as obrigações, penalizações e disposições do acordo de leniência e do acordo de não persecução cível (este último celebrado com o MPMG), demonstra a efetividade do instituto e da concertação administrativa.
É de se observar, pari passu, que a cultura anticorrupção anda lado a lado à cultura da desjudicialização, uma vez que esta fornece o ferramental e a estrutura mais céleres e eficazes para o desenlace desse mal que a sociedade brasileira, e o povo mineiro em especial, repugnam – a corrupção. Nesse sentido, o motor autocompositivo e de busca da solução consensual das controvérsias é também motor de combate à corrupção. Uma advocacia pública alicerçada sobre esse pilar representa uma advocacia pública que se compromete com o combate à corrupção.8
Sem falar, por fim, que a celebração do acordo sinaliza à sociedade e a possíveis autores de atos ilícitos que o instituto da leniência está se consolidando em Minas Gerais, demonstrando que os acordos são vantajosos à coletividade, ao Estado e às empresas que desejem pautar sua atuação pela estrita legalidade e segundo as boas regras de governança, espraiando seus efeitos para o mundo corporativo, comunicando que desvios de condutas não serão tolerados e o mal da corrupção não prosperará em solo mineiro. Não à toa, estão em vigência outros três Procedimentos de Negociação de Acordo de Leniência, que poderão resultar em outros acordos, os quais oportunamente serão publicizados à sociedade. Pode-se concluir que o sucesso da celebração do acordo, e dos outros que surgirão, decorrente da cooperação mútua, é inegável em prol do combate à corrupção e de uma Justiça mais célere e eficaz.
Notas de rodapé:
1 FERNANDES, Victor Oliveira. MENDES, Gilmar Ferreira. Acordos de leniência e regimes sancionadores múltiplos. Jota, 13 de abril de 2021. Disponível em: https://www.jota.info/especiais/acordos-de-leniencia-e-regimes-sancionadores-multiplos-13042021. Acesso: 14 mar. 2022.
2 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 2 ago. 2013.
3 Tal como os autores do citado estudo enfatizam, caso emblemático do efeito negativo da atuação desconcertada é aquele em que a Construtora Odebrecht S/A celebrou acordo de leniência com o Ministério Público Federal (MPF), e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF 4º) entendeu que a decretação de indisponibilidade de bens só poderia ocorrer em ação de improbidade ajuizada pela AdvocaciaGeral da União (AGU) caso houvesse a participação da Controladoria-Geral da União (CGU) no referido acordo. O impasse apenas foi resolvido pela celebração ulterior de acordo-espelho pela AGU e CGU com a mencionada sociedade empresária. Salientam também os autores que, desafortunadamente, poucos foram os acordos, em âmbito federal, em que as entidades se sucederam em celebrar acordos conjuntos com a AGU, a CGU e o MPF.
4 Para uma noção histórica da LAC, conferir outro trabalho em que participou um dos autores: GOMES, Renata Machado dos Santos; MIRANDA, Rodrigo Fontenelle de Araújo. Os caminhos da política anticorrupção e as influências internacionais: o caso da Lei nº 12.846/2013. Revista da CGU, v. 11, n. 18, jan./mar. 2019. Disponível em: https://revista.cgu.gov.br/Revista_da_CGU/article/view/6. Acesso: 14 mar. 2022.
5 O acordo de leniência citado, bem como outros que vierem a ser celebrados, resguardado o sigilo necessário para o desenrolar de novas investigações, está disponível publicamente no sítio eletrônico da Controladoria-Geral do Estado, no seguinte domínio: https://cge.mg.gov.br/projetos-especiais/acordo-de-leniencia. Acesso em: 14 mar. 2022.
6 “(…) os acordos de leniência se distinguem das demais modalidades de consenso administrativo por configurarem instrumentos de realização de uma política pública de persecução administrativa. Os programas de leniência não têm por finalidade precípua resolver ou integrar processos administrativos já existentes ou que fazem parte de uma rotina da Autoridade Administrativa. Eles existem para facilitar a detecção de novos ilícitos e, por isso, são estratégias negociais normativamente estruturadas em caráter geral, abstrato e ex ante, isto é, os principais aspectos que orientam a condução do acordo são definidos antes mesmo do primeiro contato das empresas infratoras com as autoridades.” FERNANDES; MENDES. Acordos de leniência…, op. cit.
7 Detalhes e esclarecimentos envolvendo a construção do acordo de leniência celebrado com o conglomerado Andrade Gutierrez podem ser encontrados em entrevista dada pelos dois procuradores participantes das reuniões de negociação e construção do acordo: RES PUBLICA. Em sinergia, AGE-MG e CGE-MG recuperam R$ 128,9 milhões para Minas Gerais, ano 12, n. 31, jul./ago./set. 2021, p. 3-5. Disponível em: https://apeminas.org.br/wp-content/uploads/2021/09/Res-Publica-Setembro-Digital.pdf. Acesso: 14 mar. 2022.
8 A desjudicialização, como valor fundamental da advocacia pública, é valor que a Advocacia-Geral do Estado comunga e na qual se alicerça, cabendo destacar que as recentes reestruturações pelas quais o órgão passou, promovidas pela Lei Estadual nº 23.172/2018 e pela Lei Complementar Estadual nº 151/2019, bem como a atualização de normativos internos, estão direcionadas nesse sentido. Especificamente, estabeleceu-se sob a estrutura da AGE uma Câmara de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos (CPRAC), em relação à qual sempre deverá ser instada a viabilidade de sua provocação no escopo de solucionar consensualmente as controvérsias e evitar o litígio. Ademais, pretendeu-se romper a antiga separação entre as áreas contenciosa e consultiva, fazendo delas complementares, buscando-se a redução da litigiosidade e a otimização do atendimento ao interesse público, na juridicidade, através da implementação de mecanismos de desjudicialização, que serão impulsionados pela performance preventiva e proativa em âmbito consultivo e pela integração, racionalização e uniformização do trabalho desempenhado por suas unidades de execução judicial, especialmente no contencioso de massa, para além de outras atuações. Para uma compreensão acerca do pilar da desjudicialização na Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais, ver: CASTRO, Sérgio Pessoa de Paula. A desjudicialização como valor fundamental da advocacia pública. Consultor Jurídico, 16 fev. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-fev-16/sergio-castro-desjudicializacao-advocacia-publica. Acesso em: 14 mar. 2022. Para um estudo teórico da necessidade de uma mudança cultural para se alcançar a solução consensual das controvérsias, ver: CASTRO, Sérgio Pessoa de Paula. A arbitragem e a administração pública – pontos polêmicos. In: CASTRO, Sérgio Pessoa de Paula; BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Tendências e perspectivas do Direito Administrativo: uma visão da escola mineira. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 199-210. Para um estudo teórico da consensualidade na administração pública, ver: BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Transações administrativas: um contributo ao estudo do contrato administrativo como mecanismo de prevenção e terminação de litígios e como alternativa à atuação administrativa autoritária, no contexto de uma administração pública mais democrática. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 22-254.
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