Artigo publicado no Jornal O Tempo (quarta-feira, 29/04/2020) pelo controlador-geral do Estado de Minas Gerais (CGE), Rodrigo Fontenelle, e pelo advogado-geral do Estado (AGE-MG), Sérgio Pessoa de Paula Castro.
Em sua obra “A Lógica do Cisne Negro”, Nassim Taleb afirma que o evento cisne negro depende de três atributos: ser um outlier, estando fora do âmbito das expectativas comuns; exercer um impacto extremo; e ser passível de explicação após a ocorrência do evento, o que se denomina previsibilidade retrospectiva.
Se entendermos que a pandemia causada pela Covid-19, ao menos em sua magnitude, era imprevisível, resta claro que estão presentes todos os outros atributos para consideramos o cenário atual como um cisne negro, com baixa probabilidade de acontecer, mas potencial gerador de altos impactos sociais.
Foi preciso flexibilizar a legislação relativa a contratações públicas para fornecer respostas céleres à contenção do avanço do vírus. Com isso, o gestor público, incitado a decidir sob forte pressão, menores evidências e condições adversas, como a cobrança de preços acima dos valores de mercado e a exigência de pagamento antecipado por parte dos fornecedores, tem aumentados os riscos de corrupção/integridade em seu agir.
A falta de garantias e a insegurança jurídica podem levar ao famigerado “apagão das canetas”, contra o qual é essencial a atuação conjugada dos controles interno, externo e social.
O controle interno é aquele mais próximo ao gestor, localizado no âmbito do poder Executivo, tendo no Estado a Controladoria-Geral como seu órgão central. Ela tem duas grandes missões: combater a corrupção e apoiar a gestão.
Para o cumprimento da primeira, que é focada no mau gestor, aquele que quer perpetrar a fraude, a irregularidade, o desvio, tem-se diversas ferramentas, como cruzamento de dados, trabalhos de inteligência, atuação em rede, entre outras.
E em relação ao bom gestor? Como o controle interno pode apoiar? Este deverá ser auxiliado na mitigação dos riscos envolvidos, não apenas nos processos de aquisições de bens e serviços, mas em relação a todas as decisões.
Destacamos, então, a Resolução nº 10 da CGE, que, pela primeira vez em sua história, abre a possibilidade de prestação de consultoria aos gestores públicos, visando ao incremento da assertividade das decisões diárias que eles têm que tomar.
Também a Advocacia-Geral do Estado atua preventivamente, por meio das unidades de consultoria e assessoramento jurídicos do poder Executivo. Estas asseguram a legalidade e a legitimidade das decisões técnicas emergenciais, identificando nelas vícios jurídicos e, de modo proativo, viabilizando, na juridicidade, sua execução.
Em tempos atuais, a principal política pública em implementação é a de saúde, voltada para a prevenção e o combate ao coronavírus, não obstante outras ações sejam realizadas em razão dos efeitos sociais e econômicos decorrentes da pandemia.
As contribuições da AGE nessa frente perpassam pela consolidação das orientações jurídicas, sobretudo expressas em pareceres referenciais que dão suporte à contratação direta de serviços, à efetivação de pagamentos antecipados e à realização de obras e preparação de equipamentos para atendimento da saúde pública.
As unidades consultivas também atuam em parceria com o contencioso para viabilizar a recuperação de créditos e recursos financeiros de garantias existentes em ações judiciais, a serem direcionados ao enfrentamento da pandemia. Essa atuação foi facilitada graças a reestruturação pela qual passou o órgão, sob as luzes da prevenção, desjudicialização, uniformização, aperfeiçoamento tecnológico, economicidade, governança, integridade e combate à corrupção, com a criação de mecanismos de assessoramento direto às secretarias, autarquias e fundações do Estado, da Câmara de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos (CPRAC), do Núcleo de Uniformização de Teses (NUT) e do Núcleo de Tutela da Probidade, Acordos de Leniência e Anticorrupção.
Se o cenário pandêmico exige reações urgentes dos gestores públicos, ainda mais célere deve ser a resposta dos órgãos de controle interno em indicar o caminho legal, probo e eficiente de atendimento às necessidades sociais e de realização do interesse público, aumentando o grau de previsibilidade retrospectiva para o posterior controle sobre as ações governamentais.
Nesse ponto, apostamos as fichas no constante fortalecimento da parceria entre a Controladoria-Geral do Estado e a Advocacia-Geral do Estado, que devem atuar conjuntamente no combate à improbidade e à corrupção.
Essa articulação, porém, não pode ser limitada às instituições endógenas. Não é suficiente que apenas os gestores públicos e os órgãos de controle interno se mobilizem em prol da otimização das políticas públicas emergenciais e da sua aderência aos critérios técnicos, econômicos e jurídicos válidos.
O cenário de cisne negro exige a remodelação de todos os sistemas e mecanismos de controle, através da união para a criação de novos padrões de aferição de responsabilidade, considerando, retrospectivamente, as reais condições em que foram praticados os atos administrativos e quais os parâmetros de caracterização de um erro como inescusável.
Na busca desse fim, Minas Gerais tem aperfeiçoado seus instrumentos de transparência pública, indo além do exigido pela legislação e divulgando todas as compras relacionadas à pandemia não apenas no Portal da Transparência, mas na página de dados abertos, o que facilita a interação e o controle pela sociedade e pelos órgãos encarregados do controle externo.
Se estamos na mesma tempestade, mas definitivamente não no mesmo barco, pelo menos devemos remar na mesma direção.
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